domingo, 11 de dezembro de 2011

Soneto do Apelo


Olhos, por que se fecham?
Por que escondem de mim seu verde vivo?
Não me evitem, olhos...
Deixem eu me perder aí, sem motivo

Olhos, não me evitem...
Não me neguem seu calor, meu abrigo
Por que se fecham, olhos?
Venham me abraçar, dançar comigo

Olhos, os meus já não enxergam
Por que sua luz não me entregam?
Não veem que assim não perduro?

Olhos! Não me deixem aqui jogado!
Venham piscar ao meu lado
Pois, só assim, vejo um futuro.

Gabriel Queiroz

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Reincidência


Solitário pela rua
O homem fazia seu caminho
Sozinho, porém, não andava
Acompanhavam por entre
As persianas de madeira envelhecida
De cada refúgio

Dizem que volta de longe
Dizem que volta mais velho
Dizem que volta mais forte
Mais encorpado
E mais sabido

Dizem que volta mais sombrio
Com as costas morenas
Como um mosaico marcado em quadros
Pela liberdade, pelas lembranças
De lá fora

Será que o acolherá a vida?
A sociedade, com manta
E leito aquecidos?

As demais cadeiras vazias
De sua mesa do bar
São um mau presságio

O silêncio o tortura mais que as grades
Os olhares mais secos que a ração
Os cumprimentos gelados
Mais que o cimento liso

Não ponderou mais
Agiu
A família haveria de entender
Seu ente não se fora em vão
E o bar arranjaria outro garçom

Aconchego de pedra
Uma hora diária de dia, apenas
Mas meio metro quadrado na parede
Parecia-lhe o suficiente
Conversas jogadas fora
Antes mal acompanhado do que
Só.


Gabriel Queiroz

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Soneto Frio


Perco-me em fundos pensamentos
Vejo você na superfície
Memórias claras, raras sombras
Como se ainda me pedisse

Onde a paixão de mim se esconde
Antes tida nos braços seus?
Ela em flor se faz presente
Ou de lembrar se esqueceu?

A distância? Não me lembre
O vento já sopra contra
Preciso de um favor

Quanto dura o pra sempre?
Você já deve estar pronta
Só não fale mais de amor

Gabriel Queiroz

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Agora?


E eu não sei o que fazer agora
Se você me desse uma dica, uma reação...
Vamos brincar, como nos velhos tempos
Rir da felicidade, nos esconder do mundo

A velha escada no fim do corredor
O corredor, as corridas, o corrimão
Os sorrisos, os abraços, os tropeços, as quedas
Eu não sei como fazer, agora

A saudade no tempo que ainda não passou
Que já lança suas sombras no presente
Aquele mesmo presente que você me deu
E que se recusa a riscar o calendário
Eu não sei se vou fazer, agora

Não quero tomar decisões frias, adultas
Talvez elas se tomem sozinhas, tombem
Enquanto se arrastam, tentando tardar
Tardar aquilo que corre e se aproxima
Até as pilhas querem saltar pra fora do relógio
Eu não sei mais fazer o agora.


Gabriel Queiroz

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sensações Líricas


Por favor, peça pro teu cheiro parar
Parar de me seguir e de te trazer
Tu é que tens que trazê-lo
Borrifado dos lírios da tua pele

A memória da minha memória
O gravou e o usa como perfume
E sai a passear em mim
Atordoando os outros sentidos
Que brigam entre si como crianças

Sim, tua cor ilumina os olhos fechados
Tuas folhas, com o vento, acalmam os ouvidos
Teu gosto, meio amargo na medida certa
Ainda bem que lírios não têm espinhos.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Fatalidade?


Você consegue ver por que?
Tudo estava tão firme...
O copo tão seguro
Bebíamos dele o tempo todo

Alguém esbarrou no copo
E ele partiu-se em cacos
Cacos bem brilhantes, é verdade
Esplêndidos, se olhados sob a luz
Mas intocáveis, agora: machucam

Alguém viu quem foi?
Você viu quem foi?
Se gostava tanto do copo,
Por que o deixou na beirada
Daquela estante bamba e velha?

Não precisa arranjar outro copo
Obrigado,
Eu já perdi a sede.


Gabriel Queiroz

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Quebra-Cabeça


Não busque a felicidade
Como flash de câmera fotográfica
Como clarão intenso e repentino
Que se esvai um piscar de olhos

Não busque a tal felicidade
Com uma luneta ou algo do tipo
Procurando objetos colossais
Mas tão distantes e inalcançáveis

Busque a querida felicidade
Com aquela lupa da sua avó
E perceba fatos pequenos e próximos
Dos quais se possa sentir a presença
E carregar consigo a todo lugar

Busque a tão falada felicidade
Como um quebra-cabeça
De infinitas peças
Que enfeitará, pra sempre,
O grande salão da memória,
Posta num lindo quadro.


Gabriel Queiroz

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Rua, ela

As ruas deste lugar
Sentem saudades de nós
Dos nossos passos sincronizados,
Das nossas mãos dadas
Confidências, amores

As ruas deste lugar
Querem fazer de suas calçadas
Assento e palco
Pras nossas brigas de cinco minutos
E intermináveis abraços, seguintes

As ruas deste lugar,
Vagamente iluminadas,
Não se contentam com as cadeiras
Da vizinhança, tagarelas
Nem com os meus passos sós,
Calados, descompassados

Estas ruas clamam por ti
Embriagam-me com lembranças
E me fazem querer-te de novo
Nestas ruas, neste lugar
Neste coração.


Gabriel Queiroz


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sombras


A luz do poste entra pela janela
Desenha sombras na parede do cômodo
Nesta noite suburbana
De nuvens alaranjadas

Vidas começam lá fora, aproveitam
Acabam, seguem, perdem o sentido
Levadas pelas luzes velozes cortantes
Cortam o asfalto, cortam o céu, relações

Sirenes anulam o silêncio, despertam cães
Zunidos e estampidos das luzes
Motores, cápsulas caindo no chão
Mantêm os apartamentos acesos

E eu, no cárcere do meu quarto
Na corpórea segurança do meu quarto
Com a mente vulnerável, fragilizada

A luz dos teus olhos entra
E desenha sombras na memória
Nossa vida continua, fantasia
A realidade, cortante, passa
Despertada pelo som da tua voz
E mostra que a relação jaz no passado

Você não está aqui
Meus olhos, bem abertos, asseguram
E a insônia me impede de sonhar.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vital


Teu sorriso sacia minha sede de luz
Teu sorriso me guia, mostra a direção
Teu sorriso inspira, estrela do céu
Teu sorriso respira, estrela do mar

Perdido na praia, sem qualquer direção
O vento me vaia, sopra o meu céu
A lua se esconde, rejeita sua luz
Cadê teu sorriso? Vem me salvar...


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Enclausurados


Procura-se um refúgio
Uma casa, toca, sótão
Onde você não me encontre
Onde eu possa guardar lembranças
E não as ver mais, fundo de baú
Deixá-las latentes, ao menos

Não vejo mais nada claramente
Talvez o meu Sol durma demais
Talvez não tenha motivos para subir
Não acha você
Mas você me acha

Meus pensamentos escravos
Frustram qualquer calor, luz
As chamas das velas tremem de frio
Com seu sopro, apagadas

A solidão, confidente, sussurra
Diz que o único lugar claro,
Onde tais memórias se destroem,
É inatingível, há muito
Seu coração se fechou para mim.


Gabriel Queiroz

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Conspiração


A espuma das ondas lavava os nossos pés
A areia nunca esteve tão firme
O sal unia as nossas mãos
A brisa me empurrava até você

Minha boca se pôs na sua
Meu amor se pôs no seu
E o Sol nunca terminou de se pôr.


Gabriel Queiroz

sábado, 10 de setembro de 2011

Chuva do Caju


A sombra daquele cajueiro já nos abrigou
Incontáveis vezes, nas tardes de sol
Os segredos pareciam inquietos e voavam
Como aquele pássaro, rondando nossas cabeças

Não, eu não sabia o que era
Apenas gostava de deitar sob a sombra
Falar, ouvir, silenciar
E admirar as nuvens, o céu, o verde
Da folhagem dos teus olhos

E agora, nesse mirante
As luzes amarelas dos postes nos observam
Ansiosas, ao longe
É setembro, não é época
Mas o cajueiro floresce

Seu queixo descansa no meu ombro
Minha alma descansa na sua paz
Consegue ver sua casa daqui?
Claro, você está comigo.



Gabriel Queiroz

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Liquidificador


Às vezes a aflição ataca sem motivo algum. Pelo menos, aparente. De súbito, certa lembrança adormecida tira o dia pra atormentar. Não importa o que faça, ela sussurrará ao seu ouvido que as coisas poderiam ser bem diferentes se apenas tivesse ligado, tirado o telefone do silencioso ou ter criado coragem e ido falar com ela.
A incerteza é a mãe da angústia. Seja do passado, seja do futuro. Esse último nada mais é do que incerto. Possibilidades, planos, tentativas de controlá-lo, quase sempre em vão. Quase sempre. O que se pode fazer é a sua parte, nada a se esperar dos outros.
E quando as coisas não dão certo, lá vem ela de novo. Perturbando, prendendo sua atenção, sua respiração. Afinal, não se podem controlar os pensamentos. Não os seus. Os dos outros, de certa forma, como visto em “A Origem” (tente não pensar em elefantes). Não vem ao caso...
O curioso é quando o tal aperto no coração está lá, mas não se sabe o motivo. Nenhuma lembrança, nenhum futuro específico. Talvez, desejo de que tudo fosse diferente. Diferente como? Diferente. Talvez insegurança, como me falou uma amiga. Insegurança por ela própria. Aquela pergunta, porque eu estou assim, mesmo?
Não importa, ela importuna do nada. Pega o seu coração sem permissão e aperta e maltrata e massacra. Por diversão. Coloca-o num liquidificador e pressiona, descompassada, o botão “pulsar”.
O problema é que nosso coração às vezes se incomoda em pulsar tão forte.

Gabriel Queiroz

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Cachoeira


Não, nunca há transição
A tristeza se sobrepõe à alegria
Numa explosão de sombras e espumas
E vice-versa
Como se me visse nessa
Corredeira

A água entra-me pelas narinas
Não há como nadar contra
O ar, como a fala, me escapa
As palavras, como a fala, como o ar
Como a água, me afogam

Tão súbita, mas tão fácil de ver
Equilibrar-se entre as águas
E olhar reto, para frente
E perceber que não há continuidade
Cachoeira
Não há nada
Só a queda.


Gabriel Queiroz

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Solução

Cansei de perder com o amor
Hora de ter ganhos
Quando quiser, resgato
Penhorei o meu amor no banco.


Gabriel Queiroz

domingo, 4 de setembro de 2011

Noite


E então eu olho para o céu estrelado
Em cada ponto de luz, você
Minha cabeça, sobre a relva, viaja
O vento gelado me conduz na escuridão
E seus dourados cabelos deixam-se levar

O sopro cessa, mas você está perto
Bem aqui dentro
Em vão estendo o braço. Tão perto
Aqui dentro
Sua boca macia, gosto do luar
Posso senti-la
Aqui

Quem sabe se eu abrir os olhos
Os seus esperarão, verdes
Reclamando do atraso para o encontro
Mas não é você que deita ao lado
Não é a sua mão que seguro agora
Melhor fechá-los de novo.


Gabriel Queiroz

sábado, 3 de setembro de 2011

Píer


Toque as canções mais tristes que souber
Por favor, vida, toque
Toque aquela corroída melodia em violino

Espero sob a trêmula luz daquele poste
Enquanto vejo gôndolas passarem, melancólicas
Mímicos, solitários, em preto e branco
E não a vejo
Não vejo você

Toque aquela canção na gaita, vida
Para ilustrar a partida dela
Para ilustrar a sua partida

Toque aquele acorde, suplicante
Enquanto ela vai ao seu lado
Com passos lentos
Pesados, sublimes, ardidos

A névoa encoberta, piedosa
E me diz que eu tenho que tocá-la
Tocá-la mais uma vez
E tocar você

Toque aquela mesma música
No velho acordeão vermelho
Toque seu coração e a faça voltar
E volte pra mim,
Vida.


Gabriel Queiroz