segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Estacionárias


Só tens agora os carinhos do motor.

Os chuviscos vão estampando minha camisa meio abotoada,
Ilustrando as inúmeras lacunas que deixaste em mim.
O calçamento ainda está molhado
E todas as tinturas estão num tom mais escuro
Que o usual.

Vejo a iluminação pública apenas refletida no asfalto,
Que nem as paralelas de Belchior.
Amarelas, tudo é sépia
Na iluminação particular.

Dali, o Planetário mostra onde eu queria estar.
Entro no carro e não ligo o limpador do para-brisa.
Nenhuma alma viva ou morta.
Não é apenas o vidro que está turvo.
120 na Beira-Mar
E o mundo gira, gira...


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Cólera Descolorida


Quando vi, você rasgava as cortinas,
Abria as janelas e quebrava as lâmpadas.
Dizia que era para a luz branca do Sol entrar,
Ensandecida.

Pro inferno, essas lâmpadas fluorescentes
De não sei quantas velas.

A noite é para se olhar as estrelas.
Que se visse apenas de dia,
Que o espelho servisse apenas de dia,
Você gritava,
Em meio à fúria da imagem monocromática
De si própria.


Gabriel Queiroz

domingo, 16 de dezembro de 2012

Batuque


O tum tum voltou num domingo.
Manhã de chuva, vento frio e samba.
Ainda um pouco acanhado,
Mas samba.

O silêncio deu as ordens ali
Durante algum tempo,
Revezando com alguns outros ritmos,
Uns tímidos, outros rebeldes.
Uns rock, outros jazz.

E agora o samba deu um golpe de estado
No peito de todos os únicos moradores.

Agora, meu amor, a povo clama.
Os átrios e ventrículos festejam
A volta do tum tum.

Meu amor, agora,
Não deixe o samba morrer.


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Deitado na Cama


Aqui venta muito.
Aqui não tem ninguém.
Aqui tem só eu.
Não tem ninguém.

Um descampado de almas.
Um descampado em preto e branco.

Aqui não tem você.
Um descampado de silêncio.
Não tem calma.
O vazio se debate à minha frente.
Aqui tem frio.
Aqui não tem sono.
Não tem ninguém.

Eu queria muito que estivesse aqui
Me aquecendo e me colocando pra dormir
Com suas poucas palavras.


Gabriel Queiroz

sábado, 8 de dezembro de 2012

Praia


Eu aqui, deitado nessa rede,
Fiquei pensando e descobri uma coisa:
Eu adorava praia, não adoro mais.
Esse céu estrelado, essa brisa gostosa,
O barulho do mar e o cheiro do sal...
Odeio praia porque ela ousa existir sem você.


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Rei Momo


Nosso amor nasceu no carnaval.
Nas cores, nos confetes, nos maracatus,
Num desfile de quinze minutos pela Sapucaí
Em meio à estática e aos fantasmas.

O carnaval criou o nosso amor
Inspirado, influenciado pelos axés,
Pelas multidões, pelo sal e pelo Sol.
Maresia, maisena.

E foi lá que o nosso amor morreu:
No carnaval.
Máscaras demais, música alta demais.
Não conseguíamos nos ver nem nos ouvir.

E, apenas como uma máscara, você foi.
Sem nome, sem cheiro, sem o meu amor.
Espero te encontrar no próximo carnaval.
Mais bela. Mais uma.


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mudo


Tinha tantas cores,
Tantos humores,
Tantas belezas...

Tinha tantas palavras
Que as roubou até mesmo do poeta.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Xilogravura Viva


O xote, o xaxado e o chiado da chinela chamando:
Oxente, meu xodó, chegue chamegar mais eu!

Gabriel Queiroz

domingo, 11 de novembro de 2012

Moça da Luz


A luz do candeeiro tremendo de medo
O medo meu também de você não voltar
Você me prometendo o mundo pelo beijo
O mundo, o céu, a terra do meu Ceará

A porta abre, a luz me cega, por que está tão cedo?
Seu cheiro, seus cabelos vêm me acordar
A rede range, o vento sopra, mas eu não te vejo
Visita, não me larga nem no meu sonhar

Fogueira se apagou no meu pesadelo
Sanfona se calou, não quer mais tocar
São João se acabou e não tem mais jeito
A gente não se viu naquele arraiá

Volta, traz contigo aquele teu sossego
E jura que essa terra não vai mais mudar
Canta, meu xodó, tudo que eu conheço
Acalma meus ouvidos tal qual sabiá.


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Memórias 07


O tempo parece ser o grande inimigo...
Tudo era certo, rotineiro.
Eu gosto de rotinas.
Elas têm sua beleza.

As amizades estão ali o tempo todo,
Por que nunca mais lembrei?
Não me lembrei de esquecê-las também.
Ainda bem.
Lembrei-me agora, revirando-me para dormir.

A tristeza ou nostalgia – não sei ao certo –
Inundou-me nesta noite,
Ajudada pelo meu suor.
O ventilador vagarosamente oscila
Enquanto cada abraço se refaz no sonho
E cada risada soa no cochilo,
Que se desfazem ao menor lampejo
De uma verdade vacilante,
Vazia de contato.

A verdade quer o sonho;
A verdade quer o cochilo.


Gabriel Queiroz

sábado, 27 de outubro de 2012

Lá Fora


Pessoas abraçam-se,
Brigam, discutem, emocionam-se,
Esbravejam, caminham, revoltam-se.

Pessoas passam o canal da televisão,
Dividem um milk-shake na cantina,
Fazem serenata e embebedam-se.

Pessoas perdoam, conjuram, iludem,
Preocupam-se, ocupam-se e culpam-se
E remoem eternamente aquele “se”.

Pessoas se separam e se apaixonam,
Brigam e se beijam.

E o mais próximo que chego de tudo isso
Vem do sol aquecendo
Apenas o lado esquerdo do meu rosto,
Enquanto eu teclo mais um relatório
Que será somente arquivado.


Gabriel Queiroz

sábado, 20 de outubro de 2012

Demasiadamente


Perto demais.
Eles estavam sempre
Perto demais.
Mas nunca era demais
Enquanto o amor era demais.

Amor demais,
Todos admiravam:
É amor demais!

E, de mais em mais,
O perto ficou demais,
O tempo ficou demais
E o amor não aguentou mais.


Gabriel Queiroz

domingo, 14 de outubro de 2012

Iara Urbana


E, no mais, não me entregue
A carta outrora rasgada.
Guarde-a para ti.
Guarde-a para lembrares
Cada afago que rejeitaste,
Cada palavra que calaste.

E, demais, eu te amei.
Amei-te enquanto teus olhos
Prediziam a primavera.
Não se pode hibernar
Por um inverno eterno.
Ah!, que saudade dos ipês...

Pensando bem, rasgue-a de novo.
Desfaça os remendos improvisados
E procure outro escritor de cartas.
Sempre serás sereia a enfeitiçar.
Esqueça se te falei “guarde-a”:
Aguarde-a.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O esquilo e o rato


Enquanto caminhava,
Fui rodeado por uma revoada
De besouros.

Harmônicos e respeitosos,
Dançavam contra o poente.

Por que diabos essa cena
Seria mais bela se fossem
Borboletas?


Gabriel Queiroz

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sonho, música e repetição


            Ela acordou procurando por ele. Sim, tinha sido um sonho, concluiu desanimada. Lembrava-se perfeitamente de sua voz, de seu sotaque, mas não do rosto ou de qualquer outra característica física. Talvez se tentasse mais... sem sucesso. Nem era uma voz bonita, mas a tinha encantado. Quis mergulhar de volta no sono, mas não o achava mais de jeito nenhum.

            No sonho, estava em um lugar qualquer, distraída. Quando dava por si, ouvia sua voz cantando a música preferida dela. E pelo jeito que cantava, era a dele também. Não vira de onde ele vinha ou para onde ia, mas fora completamente tomada pela música. Acordou não mais que de repente.

            Passou dias com aquilo na cabeça e, a todo o momento, colocava seus fones de ouvido e ouvia a canção. Cantarolava sozinha, com o volume nas alturas. Talvez, se não a ouvisse o tempo inteiro, tivesse cantado junto com ele quando passou ao lado dela. Em vez disso, a música apenas acabou e ela a pôs para repetir.


Gabriel Queiroz                          

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Silêncio Urbano


a Gustavo Isaias                                                                 


Minha companhia se fazia apenas
Pelo som de meus sapatos na calçada.
Lentos e pendulares, meus passos me seguiam.

A rua somente estava ali,
Com chiados e ruídos de sempre
Que, de tão sempre, camuflavam-se
No silêncio,
Como uma televisão que passa muito tempo
Em chuva-de-prata.

Lembrei-me de uma música
Que, pelos fones de ouvido, veio
E juntou-se a mim no infinito dali
E levou-me embora a outras paragens.
A paragens com mais poesia que ali.

Tão rápido como veio, foi-se.
Tal qual chão que se abre,
Fazendo o estômago subir
E uma quase angústia aparecer.

Contudo, nada mudara.
Eu apenas percebera aquele irritante som
De chuva-de-prata da rua
Que me incomodava como torneira
Mal fechada.

De fato, nada mudara.
Nem o som dos meus passos.
Nem mesmo o som da mesmice.


Gabriel Queiroz

domingo, 30 de setembro de 2012

Setembro


Quero ter teu colo
De novo
Quero ter teu abraço
Sem medo
Quero ter teu beijo
Tão meigo
Quero ter tua paz
Sossego

Quero ter assim
Sem mais nem menos
Sem motivo visível
Sem razão aparente

Quero ter-te, por fim
Aqui bem perto
E tudo tão certo
Por estares presente.

Gabriel Queiroz

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Diálogo I


É, naquela altura
O tempo já forrara meu coração
Com folhas de jornal baratas

Mas naquela altura
Nosso encontro foi uma tempestade
Jornal se rasga facilmente com água

Eu caí daquela altura
Quis te responder tudo isso
Mas o que soube dizer
Um mero 'estou bem, e você?'


Gabriel Queiroz

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Comédia


Lembra-se de quando seus cabelos deslizavam
Pelos meus dedos magros e tortuosos?
Lembra-se de como era engraçado?
De como tudo
Era engraçado?

Seus cachos leves e brilhantes
Passeavam por minhas inseguras mãos
E refletiam nossos dias
Ligeiros, completos, engraçados.

Lembra-se de como sentia cócegas
Quando eu acariciava sua nuca?
Você nem se mexe mais
E nem elogia o perfume dos lírios
Que lhe trago agora
Tão queridos até ontem.

Era tudo engraçado, lembra?
Talvez você ainda ache isso
E esteja rindo
De onde ninguém pode ver.
Pois sua boca esboça
Um sorriso, de alguma forma.

Ou talvez eu esteja imaginando tal sorriso
Sem forma nenhuma,
Enquanto meus dedos procuram consolo
Em seus cabelos
Inertes.


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Soneto de Libertação


E foi-se o riso e foi-se o canto,
Foi-se também a vaidade.
Foi-se a foto que olhou-se tanto,
Foi-se a delirante verdade.

E foi-se a brisa e foi-se o vento,
A mais triste serenidade.
E foi-se o tão velho tormento,
Dormência da sinceridade.

E foi-se quando e foi-se lento,
Suave, dormiu ao relento,
Sem acordar uma cidade.

E, para o meu maior espanto,
Foi-se até o eterno pranto
Quando apagaste esta saudade.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Desconsolo na Pátria




Vamos, não cales...
A eleição está perdida.
A população está perdida.
Mas o voto não se perdeu.

A primeira gestão passou.
A segunda gestão passou.
A terceira gestão passou.
Mas as promessas continuam.

Perdeste o melhor emprego.
Não tentaste qualquer revolta.
Não possuis saúde, educação, segurança.
Mas tens um estádio.

Algumas pessoas públicas
em vida mansa, te golpearam.
Nunca, nunca são punidas.
Mas, e o pudor?

A (in)justiça não se resolve.
À sombra do plenário
murmuraste um protesto tímido
Mas virão outros?

Tudo somado, devias
precipitar-te – de vez – nas ruas.
Estás nu na urna, no pleito...
Grita, meu filho.

Gabriel Queiroz

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Põe poesia


Poemas sugeridos
Poemas, sujeiras e idos
E vindos e lidos
E lembrados e queridos
Pelo esquecer
Pelo transportar

(Pelo amar).


Gabriel Queiroz

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Festa!


Em meio a todos os salgados,
Aos enfeites e à música
Ela estava apenas presente.

A diabetes, a gastrite
E todas as condições médicas
Impediam-na de saciar
O desejo de dançar, de rir,
De doçura, de antigamente.
E só alimentavam a vontade
E os parasitas ali.

Parabéns por quê?
Porque tem um ano a mais?
Porque tem um ano a menos?
Um ano a menos...
Terá de aturar por menos tempo
Aquela situação...

Aumentem a música!


Gabriel Queiroz

domingo, 9 de setembro de 2012

Perseguição


Há um pouco de versejar em cada linha de cálculo
Há um pouco de viajar em cada piscar de olhos
Há um pouco de rima em cada verso lido.

Há um pouco de ti em cada esquina da cidade
Em cada sinal, em cada afeto,
Em cada clichê.

Gabriel Queiroz

sábado, 8 de setembro de 2012

Soneto da mínima atenção


Sem minha menor vontade
E sem nenhum consentimento,
Trouxeste contigo o meu alento
Por que fizeste tanta bondade?

No peito deste poeta pálido,
Puseste de volta algum encanto,
Proteges do frio com este manto
E teu toque e teu beijo e teu hálito.

Mas traze-me a coragem para falar-te
Que não posso ficar com teu andar apenas,
Aqui desta mesa mal iluminada.

Se, por ti, não me deste quase nada,
Por mim, deste-me tuas olhadelas, serenas
Para, a todo e qualquer tempo, imaginar-te.


Gabriel Queiroz

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Correria


E quando ela não puder mais
Enxergar figuras nas nuvens?

Quando ela não conseguir
Parar vinte segundos do seu dia
Para contemplar uma flor
E desabrochar um sorriso.
Quando seu peito adquirir
Os tons de cinza do ar urbano.

Alguns chamam de amadurecimento,
Idade adulta.
Alguns têm até orgulho.
Eu tenho pena.


Gabriel Queiroz

terça-feira, 4 de setembro de 2012

As Estrelas São Belas


As pessoas me perguntam se estou triste.
E parecem se preocupar quanto a isso.
Vivem se perguntando se elas mesmas
Estão tristes.
Mas que obsessão pela alegria, meu Deus!

Engraçado...
Eu durmo todas as noites
Sem saber se, no dia seguinte,
Haverá aurora.

E ah!, se a aurora não viesse!
As estrelas estariam lá o tempo inteiro.
Pois estas são pontos de alegria que não tocamos
E apenas podemos ver durante a noite.

Sim, à noite, podemos ver todas as nossas estrelas.
E o dia é apenas uma estrela maior que ofusca
E esconde as outras.

Até porque a noite tem uma beleza particular
E um charme e uma tristeza
E um soar de gaita introspectivo
Que o dia inveja
E jamais terá.

E além do mais,
Durma-se com esse Sol no rosto!


Gabriel Queiroz

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Consolação


Vamos, não seja tolo...
É claro que ela ainda quer segurar sua mão.
Ela não te esqueceu. Apenas...
Apenas precisa de um tempo pra ela.

Sim, eu sei que você a ama
E cada detalhe daquela mulher.
É, já falou do bolo de cenoura.
Já falou do cheiro do cabelo dela também.
Claro, como pude me esquecer
De como o pôr-do-sol invade seu rosto
Quando fica com vergonha?

Não adianta chorar, meu amigo.
Ela briga quando você não liga
E não te liga?
O frio é apenas uma delicada forma de calor,
Dizia Lobão.

Não, não fale bobagem.
Ela, ela só...
Ela apenas não te...
Bom, ela deixou de...
Garçom, traz mais uma, por favor.


Gabriel Queiroz

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Mais Sofrida e Sincera Forma de Amor


E quando a paixão não comportar mais o amor,
Deixe que este transcenda
E nos dê lindas noites em claro.
Noites tentando refazer os passos,
Noites tentando saber o que foi feito de errado,
Noites torcendo para que se acorde de um pesadelo
Que começou como o mais belo sonho.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Saudade


Não é que você a quer de volta,
Necessariamente.

Às vezes só se quer olhar fotos antigas
E ouvir aquela banda
Que vocês adoravam.

Nada mais.


Gabriel Queiroz