sábado, 27 de outubro de 2012

Lá Fora


Pessoas abraçam-se,
Brigam, discutem, emocionam-se,
Esbravejam, caminham, revoltam-se.

Pessoas passam o canal da televisão,
Dividem um milk-shake na cantina,
Fazem serenata e embebedam-se.

Pessoas perdoam, conjuram, iludem,
Preocupam-se, ocupam-se e culpam-se
E remoem eternamente aquele “se”.

Pessoas se separam e se apaixonam,
Brigam e se beijam.

E o mais próximo que chego de tudo isso
Vem do sol aquecendo
Apenas o lado esquerdo do meu rosto,
Enquanto eu teclo mais um relatório
Que será somente arquivado.


Gabriel Queiroz

sábado, 20 de outubro de 2012

Demasiadamente


Perto demais.
Eles estavam sempre
Perto demais.
Mas nunca era demais
Enquanto o amor era demais.

Amor demais,
Todos admiravam:
É amor demais!

E, de mais em mais,
O perto ficou demais,
O tempo ficou demais
E o amor não aguentou mais.


Gabriel Queiroz

domingo, 14 de outubro de 2012

Iara Urbana


E, no mais, não me entregue
A carta outrora rasgada.
Guarde-a para ti.
Guarde-a para lembrares
Cada afago que rejeitaste,
Cada palavra que calaste.

E, demais, eu te amei.
Amei-te enquanto teus olhos
Prediziam a primavera.
Não se pode hibernar
Por um inverno eterno.
Ah!, que saudade dos ipês...

Pensando bem, rasgue-a de novo.
Desfaça os remendos improvisados
E procure outro escritor de cartas.
Sempre serás sereia a enfeitiçar.
Esqueça se te falei “guarde-a”:
Aguarde-a.


Gabriel Queiroz

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O esquilo e o rato


Enquanto caminhava,
Fui rodeado por uma revoada
De besouros.

Harmônicos e respeitosos,
Dançavam contra o poente.

Por que diabos essa cena
Seria mais bela se fossem
Borboletas?


Gabriel Queiroz

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sonho, música e repetição


            Ela acordou procurando por ele. Sim, tinha sido um sonho, concluiu desanimada. Lembrava-se perfeitamente de sua voz, de seu sotaque, mas não do rosto ou de qualquer outra característica física. Talvez se tentasse mais... sem sucesso. Nem era uma voz bonita, mas a tinha encantado. Quis mergulhar de volta no sono, mas não o achava mais de jeito nenhum.

            No sonho, estava em um lugar qualquer, distraída. Quando dava por si, ouvia sua voz cantando a música preferida dela. E pelo jeito que cantava, era a dele também. Não vira de onde ele vinha ou para onde ia, mas fora completamente tomada pela música. Acordou não mais que de repente.

            Passou dias com aquilo na cabeça e, a todo o momento, colocava seus fones de ouvido e ouvia a canção. Cantarolava sozinha, com o volume nas alturas. Talvez, se não a ouvisse o tempo inteiro, tivesse cantado junto com ele quando passou ao lado dela. Em vez disso, a música apenas acabou e ela a pôs para repetir.


Gabriel Queiroz                          

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Silêncio Urbano


a Gustavo Isaias                                                                 


Minha companhia se fazia apenas
Pelo som de meus sapatos na calçada.
Lentos e pendulares, meus passos me seguiam.

A rua somente estava ali,
Com chiados e ruídos de sempre
Que, de tão sempre, camuflavam-se
No silêncio,
Como uma televisão que passa muito tempo
Em chuva-de-prata.

Lembrei-me de uma música
Que, pelos fones de ouvido, veio
E juntou-se a mim no infinito dali
E levou-me embora a outras paragens.
A paragens com mais poesia que ali.

Tão rápido como veio, foi-se.
Tal qual chão que se abre,
Fazendo o estômago subir
E uma quase angústia aparecer.

Contudo, nada mudara.
Eu apenas percebera aquele irritante som
De chuva-de-prata da rua
Que me incomodava como torneira
Mal fechada.

De fato, nada mudara.
Nem o som dos meus passos.
Nem mesmo o som da mesmice.


Gabriel Queiroz