segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Perfil

Eu perguntaria o seu nome,
Mas nossa amiga em comum já me mostrou
O seu perfil.

Perguntaria de onde você é,
Mas já olhei isso no seu perfil.

Perguntaria, talvez, que curso faz,
Mas também já tinha isso no seu perfil.

Eu poderia perguntar qualquer outra coisa,
Mas fiquei sentado aqui nessa mesa do bar,
Ao lado da sua,
Admirando sua conversa, seus versos, seu sorriso
E o seu perfil.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Volta e Meia Volta

Me pego pensando em você,
Volta e meia

Um pão de queijo, uma fonte
Despisto

O Rio, naquela história que escreveu
Persisto

Um fusca
Desisto

Um poema de Bandeira quase me fez chorar

Me pego pensando em você,
Meia volta.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Monotonia

Acharam pouco o cinza dos prédios e do asfalto e expandiram. É o neoimperialismo monocromático, tem jeito não. A escala de cinza agora domina também a moda automobilística.

Quando foi que isso aconteceu? Alguém viu? Sei que, quando dei fé, estava assim. Carros cinzas por toda parte. Cinzas, brancos e pretos. Tenho pena das cores que insinuam sair da mesmice, mas, como que por medo de serem julgadas, desistem. Acabam virando pinturas homeopáticas, uma leve sugestão de qualquer tom. A resistência que ainda há é vermelha. Um ou outro automóvel ainda roda por aí, como se ferido pela monotonia dos outros. Ah, e os Escorts azul-marinho, claro.

Um dia desses, meu amigo Pereira comprou um carro:

— Bacana, Pereira! Qual é a cor?

— Champanhe.

Pelo amor de Deus, Pereira! Champanhe? Logo você, outrora orgulhoso proprietário de um Corcel verde? E verde firme, poderoso! Cadê a vontade de viver, Pereira? Lembre-se das fotos antigas, todas aquelas cores nos Fuscas e Belinas cortando a Avenida Paulista! A gente ouvia Led Zeppelin... Pink Floyd, Pereira!

Passei três semanas sem chamar o Pereira pro bar. Naquele dia, fui dormir me perguntando o que tinha feito aquilo com ele. Vai saber. Vai ver foi a indústria automobilística mesmo. Ou o tédio, a rotina, a velhice. Acho que a gente acaba ficando assim, alguma hora. Quando percebe, está trocando a cachaça pelo vinho, o torresmo pelo filé trinchado e o verde pelo champanhe.


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Açudar-te

A arte não é só diálogo
A arte é a própria gente

                                                A gente tem anseios
                                                Que enchem um açude

O açude sangra e se faz rio
A gente sangra e se faz arte.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Ode à Preguiça

No sétimo dia,
Deus deitou em sua Rede e pensou
Depois eu termino...

Quando deu fé, a humanidade
Havia copiado o Domingo
E dedicado a seu Inventor.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Um atentado ao capricho



Um brinde ao rascunho!
Berço injustiçado das obras que
Roubarão sua merecida fama.
Os rascunhos é que nos fazem jus,
Cheios de falhas e ideias inacabadas.

Quem inventou a perfeição foi a humanidade.
A natureza não tá nem aí pra isso
E a prova somos nós.
Somos um atentado ao capricho
Desvirgulados e sem pontos finais

domingo, 2 de novembro de 2014

À Janela

Lá fora, as folhas gargalham com o vento,
Verdes. E aí já não sei
Se lembro do seu riso
Ou dos seus olhos.


terça-feira, 21 de outubro de 2014

Vestida

Teu vestido vem,
A passos esvoaçantes,
Carregando teu espírito colorido
E tuas ideias floridas.

Vestes, bem sei, uma síntese de ti.


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

De Tardezinha

a Luisa Boccardo Burini                    

O cansaço dos olhos observa o movimento
Da estrada de terra lá fora.
Quantas solas já não pisaram por ali...

A força dos braços, já não tão segura de si,
- Já não tão cheia de energia -
Se apoia na janela que um dia ajudou a construir.

A maturidade das rugas ainda atura o Sol,
Que queima e castiga e maltrata
Como antigamente.

A simples resiliência do sorriso se alegra
Com o cinza multiplicado no céu,
Com a comida,
Com a panela amassada,
Com a lenha,
Com a casa,
Com os filhos crescidos,
Com as rugas que, sem ver,
Encostam na força de seu braço
E simplesmente sorri.






































Poesia inspirada no desenho em nanquim de Luisa Boccardo Burini

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Notas em SP

Me sinto vendo televisão o dia todo.
Todos os dias.
Não tenho o controle. Nunca tive.

Sento atrás de meus olhos
E me afogo em informações
Fatalmente empurradas goela abaixo.
Informações que serão úteis, dizem.

Algumas sim, claro.
Dessas, absorvo quase nada.
Não me convencem de outras.
Assisto mesmo assim.

Às vezes, durmo.
Meu cérebro trabalha mais quando durmo.

Acordo com o barulho da pessoa que fala.
Temo que me repreenda.
Mas que bobagem.
Ela não sabe quem eu sou.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Versos Secos

Acordo e tenho a boca seca.
Com algum esforço, cuspo versos no papel.
Versos ásperos e com um doce estranho.
Escassos.
Versos secos como esses, desde que só
Engulo olhares que tu não me lanças mais.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Tenho Sede

Traga-me um milhão de anos, tenho sede!
Uma sede absurda que nem o Velho Chico sacia.
Sede Buarque, sede César, sede Science.
Uma sede infindável de literamúsica brasileira.

Bebo Drummond, Rachel, Leminski!
Quanto mais bebo, mais sede tenho.
Ainda que me afogasse nos versos dos anjos,
Sem um copo de Vinícius, eu nada seria.

domingo, 24 de agosto de 2014

Entardecer

             A hora mais triste? O entardecer. Não sei explicar direito os porquês, mas acho tem algo a ver com o amarelo queimado do céu e de alguns postes apressados. Talvez seja a sugestão de que aquela mistura magnífica de azul, laranja, rosa e cores indescritíveis do horizonte será rapidamente substituída pelas luzes artificiais, vazias e melancólicas da iluminação pública.

            Sim, deve ser isso. Essa sensação de impotência diante de algo estonteante, mas efêmero e com minutos — até segundos — contados. Como... como o teu sorriso! Isso. Teu sorriso é um entardecer. Desequilibra, desnorteia e se vai sem explicação, deixando meras lembranças que tentam imitá-lo. Um prenúncio de caos.

            Sabe aquela música de Alceu? Tesoura do Desejo fala sobre um velho sonho bom que, fatalmente, viraria pesadelo. É isso, o teu sorriso. É o entardecer. É o que, de tão sublime, se faz triste.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Samba

Ouvi o samba como quem sai de casa.
Como quem sai à rua pra pensar,
A buscar uma identidade pra si,
E não volta mais.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Esperar-te

Só o que me resta
É escrever que vou beijar-te,
Abraçar-te,
Amar-te;
E esperar que a vida
Imite a arte.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ceará

Vivo respirando uma saudade seca,
Daquelas que chega ardem na venta.

E o Ceará é aquela chuvinha boa
Que deixa a paisagem bem verde
E o tempo bom pra se balançar numa rede.

terça-feira, 24 de junho de 2014

É São João!

E não se vê nenhuma fogueira por perto.
É São João e não se ouvem fogos,
Não se ouve a batida da zabumba
Nem o choro da sanfona.

Aliás, acho que não há choro é de ninguém.
Nem choro nem ninguém.
Tá um frio e um silêncio lá fora
Que eu vou te contar...

domingo, 8 de junho de 2014

Mudança

Ela achou aquela carta por acaso,
No meio de uma mudança.
Até pensou em reler, mas
Melhor não, deixa pra lá.

Tem quase certeza de que a jogou na mala
Pra reler algum dia, ou algo do tipo.
Ela perdeu a carta.
Por acaso ou pela sua velha mania
De não cuidar das coisas pelas quais se importa.

Perdeu a carta do mesmo jeito
Que o perdeu.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Eu de Você

Eu quero nossas bocas tão próximas
A ponto de ser impossível distinguir uma da outra,
Meus dentes dos teus, teus braços dos meus,
E o título do poema.

domingo, 4 de maio de 2014

Ode à Madrugada

Apreciemos o silêncio ensurdecedor dos vizinhos!
Da janela, posso contar nos dedos
Os apartamentos que ainda têm as luzes acesas.

A madrugada é uma dádiva!
A poesia dança de madrugada;
A música se equilibra nas cordas bambas do violão.
Não, nenhuma reclamação do morador do lado até agora.

Apreciemos as ideias e os amores que surgem de madrugada.
Felizes os que os aproveitam.
Ideias regadas a filmes europeus que ninguém conhece
Ou a café mesmo.
Amores frenéticos em baladas;
Amores embalados por love songs e pizzas da geladeira.

A madrugada é uma fábrica de sonhos.
Para os que dormem e para os que não acordam.

Balanço de Domingo

Neste domingo, não quero nada de mais.
Quero o clichê mesmo.

Conversas ao pé do ouvido num canapé,
Suco de tangerina embaixo de uma mangueira
E coisas assim.

Ah, e meu violão com saudade da tua voz, claro.

Que há de mais clichê que o amor?


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Seu nome é um nó amarrado à minha garganta
E fica mais cego a cada vez que é mencionado.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Estrelas Decadentes

Ah, meu bem, não superestime um desejo.
Desejo é coisa séria.

Hoje, deito só na mesma relva
Em que costumávamos olhar pro céu
E apreciar estrelas se jogando.

E, sabe...
Só queria remendar alguma estrela que caiu
Em prol de um desejo vão.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Seu Minino e as Duas Casas


Tenho os pés enraizados no mangue
E uma saudade pontuda sobrevivendo
Entre os mandacarus e árvores secas
Da caatinga.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O Homem Que Não Imaginava

E era simples assim.
Não que não conseguisse,
Com muito esforço,
Formar uma imagem na sua cabeça;
Simplesmente não era natural.

Nunca entendera os prejuízos
De assistir ao filme antes de ler o livro.
Não fazia diferença.

Nunca imaginara as palmeiras de Gonçalves Dias
Nem o anjo torto mandando Carlos ser gauche na vida.
Não presenciara o apedrejamento de Geni
Nem a ressaca dos olhos de Capitu.

Eram apenas palavras.
Cantadas, escritas, faladas.
Palavras, nada mais.

Exceto o nome dela.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Dia de São José

Tempo estranho.
Previsão de chuvas,
Mas não se via isso aqui tão seco
Desde a estiagem de 11.

Engulo a seco;
Meus olhos secos
Não choram.

No rádio, apenas canções sobre mágoas
E televisões sem som.
Letras secas, rimas secas, versos secos.

Seca é minha poesia, minha caneta não.
Ainda não.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Meias Sujas

As meias sujas jogadas na entrada do quarto
Ilustram bem seu estado de espírito.
Ou, pelo menos, como ela gostaria que estivesse.

Se pudesse, deixaria seu amor ali também,
E não teria que lidar com aquele cheiro de angústia
Que se impregnara ao travesseiro
Até mais que ela própria.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Sobre Partidas e Canções de Saudade

Diz-se que quem vai embora parte.
E partir é o mais difícil de se ir embora.
É partir o próprio coração,
Deixar um pedaço e levar outro,
Um pouco mais sem graça,
Um pouco mais sem vida,
Ainda assim, coração o suficiente para doer.

Ao se partir, não há refúgio.
Não há quem culpe, não há quem volte.
Não há para quem implorar,
Em telefonemas desesperados
Durante madrugadas vazias.
Há apenas o espelho e o rádio.

Mas não há canções para serem ouvidas.
Não há canções porque não há o que dizer.
Quem partiu foi você
E o cantador lhe espera.
Quem se partiu foi você
E, no canto, a dor lhe espera.
Na dúvida, culpa-se o tu-lírico!
Já que o eu-lírico jamais faria nada disso
E não tem vocação para vilão de si próprio.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Volta Repentina


Saudade maior do mundo, eu deixo
Saudade maior ainda, eu levo
Rasgando a noite num tubo de aço
A mais de num sei nem quantos metros
De destino, terra tão distante
Um menino, antes grilo falante,
Se reserva no silêncio de um velho

Mas, Ceará, se avexe não, que eu volto
E terá de haver muito mais tempo
Nos teus braços, no teu calor, na tua noite,
No sopro materno do teu vento
Eu hei de voltar para o teu lado
Dançar teu maracatu arrastado
Pro tempo ter que passar mais lento.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Contato Visual

Eu juro que é sem querer
Quando devoro teu olhar
Com meus olhos famintos
De deslumbre sincero.

É que, essa situação
De perplexidade a cada vista,
Eles não viam há muito tempo.


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Todas

És intertextualidade por inteiro.
Uma antologia de inspirações
Feita dos mais perfeitos trechos,
Todas elas juntas em Lenine.
Todas elas juntas em ti.

És originalidade por partes,
Ao passo que tens tudo teu.
Na mais perfeita ordem,
Na mais perfeita balbúrdia,
Na mais perfeita e cuidadosa fúria.
Na doce rede do toque dos teus dedos.
Um toque único num diálogo
De todas as musas.
Num monólogo de ti.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Maremotos


Devem ser esses teus olhos...
Machadianos, namoradores, firmes.
Sim, teus olhos é que causam
Ressaca, maresia e doçura.
Furam meu sono, invadem meus sonhos;
Dobram e quebram as ondas cerebrais.
Tento navegar nos teus cílios:
Um maremoto atrás do outro.