terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O pássaro moderno

O pássaro moderno
Escolhe os galhos
de seu ninho online
e os recebe em casa –
trazidos por pombos-courier

O pássaro moderno
come sementes transgênicas
e contrata babysitters
pra chocar seus filhos

O pássaro moderno
só canta profissionalmente
e não tem tempo
pra aprender a voar

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Odair lembranças eternas


Odair morreu na construção de um prédio
que nunca foi terminado
no centro de Campinas
Dizem que foi infarto
Deixou duas filhas
No prédio, a mais nova pôs uma faixa
escrita em verde:
Odair lembranças eternas

Odair boa praça
Odair da banca da esquina
Morreu atropelado em frente a um prédio,
hoje abandonado, no centro de Campinas
Odair querido deixou todos
O presidente da associação de moradores
mandou colocar uma faixa no prédio:
Odair lembranças eternas

Odair se jogou do sexto andar
de um prédio abandonado
no centro de Campinas
Não deixou ninguém
Mas deixou uma faixa, escrita em verde,
que estava lá até antes de ontem
e me diz:
Odair lembranças eternas
A vida é isso, meu filho
Um dia está lá,
No outro não está mais

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Na Rua dos Pássaros

Não sei se o sabiá
ainda sabe assobiar
como falam por aí

Nem se andorinha
passou o dia à toa, à toa
lamentando-se

Ou se o beija-flor invadiu
mais de cem portas
ontem à noite (e saiu se gabando)

Mas sei que o bem-te-vi,
meu bem, te viu
pra estar cantando assim
até uma hora dessas

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Carta de amor ao meu caderno


Oh!, meu caderno amado,
perdoe-me.
Fui seduzido pelo teclado brilhante
do computador, eu confesso...
Mas que tolo fui!
Perdoe-me, perdoe-me!

Amo-te, meu bem, como quem odeia acordar cedo
e dar com o rosto numa janela iluminadíssima cheia de grades,
mas venera uma meia luz
em tuas folhas amareladas desnudas de pautas.
Desejo as curvas de tuas quinas
(como Roberto as da estrada de Santos)
e a firmeza do elástico que me abraça e te cerra!

Entre desenhos malfeitos e versos meio tortos,
vejo que não me esqueceste.
Mas que bobagem a minha!
Como bom caderno que és, tua firme capa preta
cuidará de meus pensamentos como teus, se eu de ti
também cuidar.
Quem precisa de becapes em nuvem quando te eternizas em terra?

Oh!, meu caderno querido,
se te causa algum alento citar-te Carlos,
dance um samba bravo, violento,
sobre o computador que agora apenas te suporta.
Vão-se os bytes, ficam teus riscos!

Pois amo-te como amar-te-ão meus bisnetos:
eis que encontrei o caderno de sonetos de minha bisavó.
Conversamos longamente, tomamos um café
e ele, além de a mim descrevê-la em histórias belíssimas,
encorajou-me a implorar teu perdão...

E aqui escrevo,
rogo
e jazo.

terça-feira, 8 de março de 2016

Essas gotas na janela


Umas gotas que caem nesse vidro
Não escorrem.
Nesse vidro das janelas
Que não abro há muito.

Essas gotas que me aparecem aqui
Fitam-me, caladas, o dia todo.

Envergonho-me.

Do outro lado, há um jardim feio,
Com umas árvores estranhas
E uma grama malcuidada.

Por isso, as gotas que caem do outro lado
Da janela
Olham-me.

Quando o inverno acabar
E as árvores criarem folhas
E a grama ganhar um verde viçoso,
Gotas, não me abandonem.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Sobre a tristeza


a Hamilton de Holanda


a tristeza de se ver só
a tristeza das luzes dos carros
passando
a tristeza dessa garrafa d'água vazia na mesinha
da poltrona da frente
a tristeza da fria luz de leitura do ônibus
que, sozinha, projeta umas sombras grandes demais
a tristeza de uns versos num caderno ainda bem vazio
a tristeza de um bandolim
a tristeza da janela gelada
que suporta pacientemente minha cabeça
aliviada
por se ver
triste